Uma carta ao tempo

Prezado Tempo,

Nutrimos e realizamos um mundo em quinta marcha, vivenciando você de maneira pouco atenciosa. Queremos otimizá-lo constantemente, e nossa relação é estabelecida com a preocupação de um você futuro. Nossas agendas estão cheias, como se isso, por si só, nos qualificasse. E o contrário, ao ter a sua liberdade, a consideramos contraproducente. Assim, verbos como relaxar e brincar tornam-se antagonistas da vida contemporânea. E, para existirmos melhor, medicamo-nos.

Pouco permitimos uma relação mais lenta, com espaço para o almoço seguido de sobremesa, com intervalos (frisa-se o plural) em branco entre linhas preenchidas. Queremos mais, e isso significa você “de menos”. Você tornou-se curto para a atualidade, mesmo as 24 horas continuando as mesmas 24 horas de sempre. Em cidades grandes com menor infraestrutura, estamos mais “no caminho” do que em algum lugar.

Aprendemos e ensinamos que temos que aproveitar a vida, e para isso, precisamos mais de você. É costumeiro ouvir e repetir: Não podemos perder tempo!. O interessante é que estamos perdendo você diariamente, sem nem notarmos que mal o dia acaba, o seguinte já se inicia. Aceleramos e tornamo-nos acelerados. Nossas crianças estão aceleradas. Agora, os medicamentos são para nós e nossos filhos.

Mas você, mesmo com nossa costumeira desatenção, mostra-se presente. Força e aparência já não são mais a mesma. O corpo te sente. Neste momento ele te pede calma... paciência. Corremos mais uma vez, mas agora para te frear. Usamos produtos e buscamos milagres para agarrarmo-nos a uma juventude que passa. Sentimo-nos culpados, incapazes, tristes. Não atingimos a meta. Medica-se.

Querido Tempo, é necessário melhor qualificá-lo. Escolhe-lo não como momentos que passam ou que ainda virão, mas como espaço presente de descoberta, elaboração, construção, reconstrução, etc.

Você está aqui em meu consultório, dedicado assim às minhas relações terapêuticas. Sendo notado, despertado, localizado.

Obrigado!

Felipe