O gênero dos brinquedos
- Felipe F. Freitas
- May 8, 2017
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Era uma vez pessoas que sentiam e pensavam diferente da maioria. E por pensarem diferente, com a ajuda do tempo, o pensamento tornou-se comum... já o sentir, o sentir é de cada um.
2013, 2014, 2015, 2016, 2017... os anos passam e vemos, ouvimos, nos relacionamos com notícias, histórias, pessoas (ou mesmo somos essas notícias, histórias, pessoas) que sofrem ou reproduzem formas de preconceito, abusos e violências por conta do sentir/ orientar-se /agir de modo diferente do que é normatizado como binariamente comum (homem/ mulher).
E o tal comum apresenta-se nas simples escolhas, como a cor do enxoval, os primeiros brinquedos, as formas distintas de educar a partir do nascimento, e nas próprias expectativas de antes do nascimento, um menino e uma menina. Também é comum escutar: “mulheres são sensíveis” e “homens são embrutecidos”. Algo próximo a uma verdade absoluta. Mas o seu contrário normalmente é seguido de uma conjunção coordenativa adversativa (os famosos mas, contudo, entretanto, todavia...), como por exemplo: “fulano é homem, massssss é sensível”. Ou seja, com a determinação do sexo pela união dos poderes entre os cromossomos sexuais, determina-se, também, formas de ser, e assim, de se portar. Então, usando uma metáfora esdrúxula, caso o obstetra fosse um excelente vendedor, ele atestaria com segurança para os futuros papais, ao simples fato de saber o sexo da criança, o que esperar do comportamento, gostos e sentimentos dela. E terminaria sua eloquente apresentação de venda com um sorrisinho de canto de boca e falando “eu garanto!”.
Mas apesar de não termos um selo de garantia, temos um manual – não impresso, mas muito difundido desde a mais tenra idade – atribuído aos gêneros masculino e feminino. Formas de ser a partir da legitimação do que é esperado por se nascer com um determinado sexo, onde os brinquedos e brincadeiras expostos a meninos ou meninas obedecem a esta escrita social. Afinal, boneca é para menina e carrinho para menino; princesas para elas e super-heróis para eles. E quando no simples brincar existe uma outra configuração, como quando o menino escolhe uma boneca e a menina uma bola, encontramos casos desde caras questionadoras até castigos e proibições.
Bem novas, as crianças já se identificam com um determinado gênero e os papéis associados a cada um dos gêneros são aprendidos na relação com o ambiente. Assim, as produções e reproduções da existência de brincadeiras específicas de menino e de menina são fenômenos do campo, relacionadas a aspectos datados não de hoje, mas com traços de processos adaptativos de nossos ancestrais. Hoje em dia, o ato de brincar muito reflete das expectativas daquilo que é esperado socialmente dos pequenos, não sendo diferente na questão de gênero. É ensinado desde muito cedo, a partir das escolhas das atividades lúdicas ou dos brinquedos para as crianças (escolhidos para elas, e não por elas) a forma apropriada para ser um menino de calças e uma menina de saia. Muitas vezes, estes reforçam estereótipos sociais, as tais verdades absolutas.
Devemos lembrar que brincar é experimentar o mundo. Se os contextos infantis demarcam muito a diferença, por exemplo, das tarefas e hábitos entre homens e mulheres, provável que isso venha a aparecer no ato lúdico. Se o contrário, em ambientes onde esta divisão não seja marcada pelo gênero, também será possível vermos reproduções em suas brincadeiras. Ou seja, a forma de apresentação do mundo a criança, quanto mais encapsulada for, demarcando o que é o certo para homens e mulheres, mais reforçará a padronização de conceitos e perpetuação de preconceitos, uma vez que esses não vêm de fábrica. São ditos, reditos, mostrados e demonstrados de diversas formas para ela.
Com isso, sentir diferente, pensar diferente, ser diferente daquilo que entende-se como referenciais dos papéis homem e mulher, pode ser algo confuso e difícil para crianças/ adolescentes, dependendo do entorno que vivenciam. Reações repressoras e adversas acontecem não apenas por parte dos adultos, mas dos próprios pares, que dependendo da idade e da quantidade de “verdades” introjetadas, acabam por reproduzir comportamentos discriminatórios.
Tomando por referência meu HD interno, os fatos da minha meninice, brinquei de boneca, já vesti roupas da minha mãe (como também do meu pai) e cruzo a perna até hoje “como menina” (escutei isso diversas vezes). Isso não é e nunca foi uma questão dentro do meu contexto. Sou hetero, como poderia ser bi, tri, tetra, penta. Sendo assim, a forma de brincar não tornou-me homossexual. A experiência do brincar apenas me oportunizou um mundo com menos limitações, criando espaços de maior flexibilidade, de ir além...
A brincadeira em si, sem a impositiva mediação dos parâmetros do gênero, possibilita uma construção de respeito, de quebras de paradigmas, de inclusão e libertação de estruturas previamente estabelecidas. Crianças brincam a partir das oportunidades que se abrem a elas. Movem-se pela curiosidade. Dessa forma, no processo da aprendizagem lúdica, quando o ambiente proporciona múltiplas vivencias, crianças podem experimentar livremente, sem discriminar o mundo em apenas rosa e azul.
As famílias mudaram e continuam mudando, a sociedade também. E, nesse sentido, torna-se importante pensar em novas formas de educar nossas crianças para viverem neste mundo e não descoladas dele. Formas que integrem e não polarizem mais.













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